terça-feira, 8 de abril de 2014

O pesquisador Mário de Andrade

Mário de Andrade e Câmara Cascudo

Embora Mário de Andrade seja conhecido por seu trabalho como romancista e poeta, o escritor paulista também desenvolveu um fabuloso trabalho como antropólogo, etnólogo e cronista da terra. A dislexia intelectual brasileira  fez com que jornalistas e intelectuais dessem um importância exagerada ao Mário de Andrade do Macunaíma e escanteassem o músico e pesquisador. Movidos pelo afã da inovação e pelo modernismo fácil, os membros da casta ilustrada erigiram altares ao ‘herói sem caráter’,  mas olvidaram os ‘Carusos do Sertão’ e os perpetuadores da tradição popular descobertos nas andanças do folclorista.

Em 1935, Mário de Andrade fundou um centro de pesquisas culturais que viria a ser o suporte necessário para alavancar uma série de pesquisas etnográficas, sobretudo no campo da pesquisa e catalogação das manifestações musicais do Norte e Nordeste brasileiros.  Esse centro, aliás, tinha ousada missão:  "conquistar e divulgar para todo país a cultura brasileira". 


A intensa atividade de campo dirigida por Andrade deu origem a fascículos essenciais da cultura popular brasileira. O livro denominado ‘Os Cocos’, por exemplo, contém uma das mais completa seleções eruditas de cantorias de festa, danças e cantos de trabalho.  Mário de Andrade, entretanto, acabou se deparando com um problema de ordem metodológica:

"Antes de mais nada convém notar que como todas as nossas formas populares de conjunto das artes do tempo, isto é cantos orquéstricos em que a música, a poesia e a dança vivem intimamente ligadas, o coco anda por aí dando nome pra muita coisa distinta. Pelo emprego popular da palavra é meio difícil a gente saber o que é coco bem. O mesmo se dá com 'moda', 'samba', 'maxixe', 'tango', 'catira' ou 'cateretê', 'martelo', 'embolada' e outras. (...)

Coco também é uma palavra vaga assim, e mais ou menos chega a se confundir com toada e moda, isto é, designa um canto de caráter extra-urbano. Pelo menos me afirmou um dos meus colaboradores que muita toada é chamada de coco" [1]

É nesse labirinto de denominações e modos que o antropólogo Mário vai buscar as pegadas de um Brasil que ainda estava vivo nas festas, lendas e costumes do povo. 
É preciso redescobrir Mário de Andrade.




[1] ANDRADE, Mário de. Os cocos. Prep., introd. e notas de Oneyda Alvarenga. São Paulo, Duas Cidades; Brasília. INL/Fundação Pró-Memória, 1984

sexta-feira, 28 de março de 2014

Apresentação

Tornou-se tarefa complexa, nos tempos que ora surgem, definir a identidade brasileira.
 Se no século passado contávamos com a imensa capacidade dos Prado, dos Buarque de Holanda- e também de um Freyre e de um Cascudo- para um exame detalhado da alma brasileira, hoje temos que nos contentar com uma percepção fragmentária do que quer que venha a ser a nova brasilidade (alguns intelectuais, aliás, não utilizam o termo ‘brasilidade’ por temerem certo ridículo, como se a expressão fosse fruto de um impulso quixotesco de possuir terra e sentido).
Nas reminiscências da memória nacional, ainda existem elementos e marcas que parecem persistir em termos de uma percepção negativa sobre o fato objetivo de ser brasileiro.
Segundo o professor José Murilo de Carvalho, ‘ao final da Colônia, antes da chegada da corte portuguesa, não havia pátria brasileira. Havia um arquipélago de capitanias, sem unidade política e econômica. O vice-rei, sediado no Rio de Janeiro, tinha controle direto apenas sobre algumas capitanias do sul. As outras comunicavam-se diretamente com Lisboa. Nas capitanias, muitos governadores, ou capitães-generais, não tinham controle sobre os capitães-mores que governavam as vilas. A colônia portuguesa estava preparada para o mesmo destino da colônia espanhola: fragmentar-se em vários países distintos. Não é de admirar, então, que não houvesse sentimento de pátria comum entre os habitantes da colônia.’ Alguns historiadores localizam o ponto de clivagem patriótica na Guerra do Paraguai, outros na retomada democrática pós-ditadura militar, e aqueloutros na primeira vitória efetiva da esquerda nacional. Mas até que ponto essas informações históricas expressam a realidade?
 É verdade que as nacionalidades carregam em seu seio um elemento contraditório: se, por um lado, são fontes de inspiração das gestas- o ‘valor mais alto que se alevanta’- oferecem também perigo, especialmente quando tendem ao coletivismo exacerbado ou ao espírito totalitário. Entretanto, aqueles que não se prestam a examinar a complexa questão da pertença pátria, certamente serão presas fáceis de ideologias exóticas, novidades superficiais, ou-paradoxalmente- de ufanismos e de todos os –ismos que dele derivam.
Esse blog, portanto, é uma tarefa de diletantes que pretendem examinar alguns aspectos fundamentais do Brasil: é possível falar em alma brasileira? Somos, afinal, uma nação negra, indígena ou mestiça? Serão as alternativas econômicas, sociais e políticas
do Brasil moderno as mais adequadas ao temperamento nacional? Como se deu a transição dos elementos tradicionais do imaginário brasileiro (festas, alimentos, expressões...) para os atuais?            
Essas e outras perguntas, que ainda carecem de respostas adequadas, serão os motes dos textos que virão.            

Bem-vindos!